Tem uma hora que a
gente se cansa. De tudo, de todos, de qualquer um, de qualquer coisa.
Simplesmente acordamos cansados demais para aturar algum comentário padronizado.
As mesmices são o alimento mais rico do mau humor. Não queremos nos dar ao trabalho
de responder, menos ainda, pensar numa resposta não violenta ou ofensiva.
Calar-se é um ato heroico não reconhecido.
Pouco, ou nada,
podemos explicar sobre esse insistente mau humor. Sem percebermos, somos
apoderados de uma força viva que controla nossos impulsos e nos impele, quase
que anonimamente de si, a bufar antes de falar. Aquela soltada de ar quente, um
arco reflexo que age ao ínfimo estímulo da voz de terceiros. Qualquer terceiro.
Amigo, irmão, esposa, namorada, amante, estranho, porteiro, trocador, o próximo
da fila, o antecedente da fila, o vizinho. “Bom dia por quê?!”, ficando com a
metade dessa frase entalada na garganta.
Como reagir às
perguntas: foi alguma coisa que eu fiz?; por que você está assim?. Não
inventaram nada mais eficiente para enfurecer de vez uma pessoa com raiva que o
cândido pedido de “calma”, principalmente se recheado com razão. Um fervor
homicida cego, como o amor, incendeia o sangue e evapora o espírito. A sorte da
maioria é que as correntes sociais que nos mantêm presos na caverna olhando
para as sombras que tremeluzem sem vigor, são quase sempre mais fortes que o ímpeto
humano que vagueia “procurando por um”... seja lá o que isso queira dizer; e,
afinal, nos contentamos, os mal humorados, com um estalar de língua no céu da boca
e uma cara feia de fome, da qual todos dizem não ter medo, mas poucos desafiam.
E o mau humor está lá.
Persistente. Indolente. Irresistível. Dentro de si, a pessoa pergunta ao Eu por
qual motivo está tratando a todos odiosamente, e não obtém nem um respeitoso
aceno de sua consciência. A questão é mais profunda, é abissal como a Fossa das
Marianas. Ninguém jamais chegou lá em carne e osso (ou já chegou?). Bem, nas raízes
do mau humor, ou de qualquer sentimento instintivo, tenho certeza que não.
Mas passa. Vai-se como
veio. Sem cumprimento ou despedida. O coisa-ruim – certas pessoas afirmariam
essa causa – estupra sua alma, veste as calças e vai embora, sem flores nem
café.
Olhamos para a vítima
contumaz de nosso mau humor com um rosto pleno de bondade já despossuído, plácido
como as margens do Ipiranga, notando a feição contrita do ferido e, com ar
despreocupado e sonso, questionamos: “Tá de mau humor?”.
Sentimos um ar quente
descer-lhes as ventas e nos perguntamos por que essa criatura está assim. Será
que foi alguma coisa que eu fiz?
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