segunda-feira, 5 de abril de 2010

Errando

Andando de pés no chão, elevando a terra socada em pequenas nuvens de areia, ia de longe para o longe quase sem destino e pouca orientação. A antiga estrada era sua Ursa, o Sol sua única verdadeira estrela e mudo companheiro. A vida tão vazia quanto a paisagem à sua volta: imutável vegetação rasteira, escassas árvores de parcas folhagens proporcionavam tépidos oásis de sombras.

Com a mente despida de interesses, terrenos ou celestiais, as pernas se alternavam de forma mecânica num frêmito descuidado, lento e implacável. Cascateava na indiferença mórbida o suor por sua tez, vencendo as desérticas sobrancelhas para queimar os olhos taciturnos. Na tortura ao acaso, a maré salina inunda os veios feridos dos lábios estéreis pelo calor. Impassível, inerte, inamovível pela dor cortante, contudo.

Desdenhava do cansaço laconicamente, mal sentindo honestamente o irradiar dos músculos desgastados por todo o corpo. Agulhas penetravam a carne, inexoráveis e repetidamente a cada movimento, repuxando até os ossos, retesando os tendões minimamente flexíveis.

Em frente sem avistar nem mesmo almejar qualquer paragem, teto, desvio, atalho, limite ou ambição. Ranhuras nos pés sangravam levemente, gotículas rubicundas umedecendo de forma efêmera a trilha árida, demarcando imperceptivelmente a linha vital do andarilho.

Seu companheiro dourado já o ultrapassara e, ainda que com menos vigor, o encarava severamente deixando emergir às costas impassíveis suas habituais substitutas, ainda esmaecidas pelo poder fúlgido do astro-rei.

Mesmo quando destronado o fogo eterno, permaneceu a marcha, agora fustigada pelo frio lacerante, a brisa suavemente açoitando as chagas perpetradas pelo abraço perene do amigo deposto.

No zênite, a nova dominadora da abóbada pouco se dignava a guiar seu inominado súdito e se apresentava minguante como a vida inefável que em passos lassos abandonava o hospedeiro. Aproximava-sede um fim essa história inaudita, alcançando o destino que jamais procurou, que, entrementes, era-lhe impossível apartar.

Abastado de frio, maior era o sofrimento, pois, quase completamente privado da visão pelos negros domínios, os outros sentidos se aguçam, não obstante incapazes de arrancar-lhe qualquer expressão de seu rosto intransigente à alegria ou à tristeza, ao amor ou ao ódio, à dor ou a alívio. Relaxamento e tensão não se alternavam, mas indescritivelmente conviviam. Nada e tudo facilmente se extraíam daquele feitio, como uma tábula rasa na qual se poderia inscrever o que fosse.

Sucedido o escuro inverno, acariciaram-lhe os ombros os longos braços ígneos. O toque insensivelmente agradável parecia inclinar pendularmente o erradio homem.

Solenemente, o estoico andante encerrava sua jornada aparentemente desprovida de razão ajoelhando-se na terra e observando pela primeira vez sua longa sombra estendendo-se por uma dezena de metros à sua frente. Muitos e indetermináveis minutos se passaram sem alteração de espírito, caso houvesse algum, indiferente, uma vez mais, à pressão sobre os joelhos desbastados, minimizada, porém, pelo macilento corpo a que sustinha. As cãimbras e dormências imanentes eram, a ele, tão somente anelantes.

Embora estático, permanecia em êxtase apegado à aproximação de sua sombra a si mesmo. No derradeiro minuto, mirando o chão tão próximo de si que poderia tê-lo tocado, um pavoroso arremedo de sorriso despertou no canto de seu lábio seco, mais se assemelhando a um esgar incipiente. A boca, há muito inútil, se moveu em uma única palavra: “Olá!”.

Caiu deitando-se sobre seu convidado e a estrada e se deixou partir.

(sábado, 3 de abril de 2010, Volta Redonda)

Quatro Palavras

Quatro Palavras
(Sexta-feira, 2 de abril de 2010, Volta Redonda)

Um Homem caminha só.
Caminha um homem só.
Só caminha um homem.
Caminha, só, um homem.
Um só homem caminha.
Homem-um caminha só.
Só, um homem caminha.
Um homem só caminha.
Só um homem caminha.
Caminha só um homem.
Só um caminha, homem.
Caminha um só homem.
Um só homem.
Só um homem.
Um homem só.
Um homem.
Só.