Era dinheiro na veia. Estava
ligado à máquina. Não podia me desvencilhar. Uma monetariodiálise permanente.
Sentado horas a fio, dia após
dia, entre uma cadeira e uma mesa, com aquela tela brilhante assomando sobre
mim, ostentando seu irônico nome de “computador pessoal”, engolindo numa bocada
única Vontade e Tempo.
Incapaz de me mover pouco mais
que alguns centímetros em toda a Rosa dos Ventos, sentia meus braços encurtados
sobre aquela planície de letras que insere informações na luz que me hipnotiza,
sob as ordens indicadoras de meus hábeis dedos. Mesmo essa pequena liberdade me
é tomada, pois nem os lépidos movimentos que pratico sobre os hieróglifos
modernos, romanos e arábicos, são empreendidos livremente. Há uma ordem
estabelecida e um objetivo a ser alcançado, e qualquer movimento em falso,
estranho às condições pré-estabelecidas, pode e será considerado uma afronta às
determinações superiores. Cada ponto que encerro é verificado e gravado. Não
tenho a possibilidade de me esquivar. É um direito me olhar, me avaliar e
decidir sobre mim o que é melhor ser decidido: meu próximo passo.
É um temor a possibilidade de um
engano humano, como se teme a óbvia certeza do toque num fio desencapado. Leves
choques em pequenas admoestações que perseguem toda uma vida e se acumulam sem
cuidado ou organização, e que, de repente, extravasa de seu quarto escuro e nos
apresenta à verdade de nossa clausura.
Minhas pernas estão desaparecidas
sob a mesa que suporta todo o peso material do trabalho e sequer me recordo da
cor de minhas calças. Fremem invariavelmente durante toda a duração de meu
cárcere diário, supostamente desejado. Alguns denominaram esse agito como
“mania”, outros como “nervosismo” ou “ansiedade”, e houve aqueles que
apelidaram de “dedicação”.
Supostamente desejado. Um vínculo
perene com o salário e a necessidade de subsistência da única maneira
conhecida, mantêm meu corpo invisivelmente atado nesse cubículo sem luta,
cercado no imenso esquife de pessoas vivas e sem mentes.
Tudo está condicionado à doação
integral de uma alma à produção social, à contribuição individual para o
crescimento do povo, da economia, da nação. O sacrifício de uma vida pelo
método mais cruel: a mal vivência, os fazeres incompletos, os quereres
reprimidos, os pequenos gozos mendigados.
Ainda não consigo me mexer.
Continuo produzindo, respondendo tecnicamente às questões, rodeado por pessoas
que jamais se interessaram em passar um minuto comigo, que nunca desejaram
saber quem sou eu ou o que eu penso que sou. É o compartilhamento
circunstancial e forçado das vidas vendidas por uma quantia que não compra a
alforria, pois o alforriado não permanece nem foge, passa a viver.
São relações delineadas por
patentes que tornam um homem melhor que outro, distribuídas por critérios
objetivos eivados de subjetividade. Mesmo com o comunismo da imobilidade
forçada, do espaço reduzido, do caminho limitado, aqui sou inferior,
delicadamente não chamado de subordinado ou subalterno.
Rio sem sabor das pessoas que
dizem que temos escolha, mas esta sempre se reduz a uma outra sujeição, outra
mesa, outro caixão. Alternar de correntes ou de cela não nos torna prisioneiros
diferentes. Morrer de fome e de desamparo físico não é uma escolha, é
despedir-se de si. Penso na escrita, mas trabalhar com o que se ama é
temperá-lo em excesso com a porção mensal de sal, pois o torna imposto, matando
a essência de qualquer espécie de amor. Neste caso, morre-se duas vezes
simultaneamente.
Diante das opções vedadas, está
ficando difícil respirar. Sinto menos as dores e a claustrofobia adormece em
companhia de minha vontade. O mundo se distancia de minha percepção como se
somente aquela luz fizesse sentido, cedendo ao feitiço do fogo sobre a
mariposa. Nos arredores, há elogios mentais à minha concentração no trabalho,
nos objetivos da empresa, nos resultados que não me importam e que não tornam
para mim. Sou exemplar. Procuro erguer a cabeça e desmenti-los, mas não tenho
nenhum direito de me levantar, e minhas escolhas estão oferecidas a algum deus
que não me socorre. Remo nas galeras sob o ritmo das moedas tilintando que não
posso renunciar, açoitado por falsos elogios que sou obrigado a ouvir.
Há outros de mim, afirmo numa
certeza verde de esperança. No entanto, o que vejo de soslaio é um cemitério de
cadáveres sentados, levemente inclinados em direção à luz, cotovelos juntos ao
corpo, como numa posição verticalmente fetal. Todos sistematicamente colocados
lado a lado, enfileirados, em covas altas, sete palmos acima da terra,
enterrados em suas necessidades com uma lápide plástica pendurada no pescoço,
nominada e numerada, sem a qual não se sabe quem se é.
Todo
trabalho é escravo.