terça-feira, 14 de setembro de 2010

Confissões Anônimas

Eduardo, cara! Ontem saí com uma mulher que você nem imagina. Demos uma ida numa exposição alternativa, de graça, claro! Imagina só, eu, numa exposição alternativa, um tanto mesmo hippie. Na verdade nem sei se é Hippie, mas se tem “alternativa” no meio do nome, deve ser.

Mas, mermão, prestenção! Ela não é despirocada, não, que isso! Ela gosta dessas paradinhas coloridinhas, penduricalhos, acho. Mulher responsável. Mulher, acima de qualquer coisa. Tá me ouvindo? Ah, bom!

E tem outras coisas lá: comida, bebida, coisas legais que saem um pouco do “alternativo”. Essa é a palavra-chave do lugar. Como disse, paradas quase comuns. Prestenção, véi, tô falando!

Depois de algum tempo lá, fomos conversando devagar, observando as opções, não que eu quisesse alguma maluquice daquelas, mas tinha que mostrar em que cabeça fica meu cérebro, já que ela realmente tem um. Mas eu já sabia. Já a tinha visto antes: conhecida de uma conhecida daquele maluco que namorou a Val. Lembra? Edu, lembra? Porra, tô contando uma parada maneira...

Então. Encontrei com a doida no MSN. Cara, um tempão que não entrava nessa parada... eu sei que é coisa de solteiro, fui eu que te disse isso, mas eu tô livre, esqueceu? Tá sinistro falar com você hoje!

Bom, estávamos no MSN e ela me convidou pra esse troço. Eu gosto de coisas assim, mas acho meio doideira. Geralmente não me mexo pra isso. Mas fui, claro.

Voltando ao que eu tava dizendo: tipo assim, a gente foi conversando e, devagar se chegando, sabe?! Fizemos um almoço legal, e até perigoso, diga-se de passagem. Fomos comer feijoada... Ééé, caaaraaa! Doido! Vai que alguma coisa dá errado? Com que desculpa eu iria embora? Mas eu nem pensei nisso quando pedimos, e acho que ela também não. Foi maneiro, já que deu tudo certo no final.

Edu, a coisa mais linda que já vi na vida... Que isso cara!!! Nunca disse isso antes, não!!! Porra, num sacaneia. Tô falando uma parada maneira, especial, e você de babaquice?

Não está merecendo, mas vou continuar contando. A coisa mais linda. Cabelos pretos na pele branca. Linda! Paramos numa tenda louca com imagens de coisas antigas para emoldurar e colocar na parede. Edu, nessa hora já estávamos bem próximos. Sabe como a gente vai sentindo a pessoa se aproximar? Edu? Porra, para de olhar a mulherada aí! Edu, estávamos naquela de se esbarrar por acidente, ficar em pé bem perto, tão perto que nem dá pra olhar, só sentir.

Apaixonado porra nenhuma! E que palavra é essa?... tá na merda, hein!? Palavra de viado. Tá dando a bunda? Pensei que fosse homem!!! Sei, tá certo...
Mas cara, numa hora lá, sei que não deu mais pra resistir. De alguma forma pareceu o momento:

“Precisei dar um ou dois passos mais velozes que os dela em direção aonde íamos pra chegar três segundos antes. Foi o suficiente para ela vir de frente pra mim, ao meu encontro. Toquei seus cabelos com o dorso da mão, elevando os fios próximos da nuca para trás e abraçando com os dedos a pela lisa abaixo do manto negro. Ela me acometeu com um movimento súbito e lento dos olhos escuros para cima sem mover a cabeça, superando o pouco mais de estatura que guardo dela para alcançar os meus. Tremi sem me mexer. Contra qualquer projeção científica, li os espelhos em sua face que refletiam meu próprio rosto para mim. E li um ‘sim’. Desde este momento estamos nos beijando mesmo sem estarmos juntos, desde que me vi nela, percebi que seria inútil e fracassado tentar escapar, nem mesmo pensei.”

Porra, irmão, foda, né?
Edu? Como assim, Edu? Putaqueopariu, cara. Não vou repetir, não, porra!
Témais!!!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Inanimado

Um dia, caminhando contra o enfado, sem saber para que lado, que canto, que reta, fugir. Escapar do vazio do tempo, do preenchimento da dor, da solidão multifária, multitudinária. Sozinho, com o colega ao lado, com sorriso formado, alegria forjada.
Busca de nada, início minguante, sabendo que o passo a passo eleva o zero a potências infinitas infindas.

Sem Ver

Simplesmente estou com um vazio no estômago, um frio na barriga. Tudo culpa da saudade que estou sentindo Dela. Sempre que penso em qualquer coisa, evento, vontade, é inevitável, ou imprescindível?, que Ela esteja envolvida.

Cada passo que firmo, questiono se a Danada que caminha sobre minha vida caminhará comigo, ainda que em calçadas sinuosas, num andar trôpego. Nada será bom para mim se não for especial para Ela. Muitas vezes me assusto com isso, tento compreender, mas o único entendimento que me acomete é que tudo deve ser, e é, como é.

Não me cabe saber, resta-me sentir e seguir. Ainda agora e hoje e depois, olho para Ela e me surpreendo com Sua presença, Seu sorriso, Sua voz, Seu expresso amor expresso. O qual não alcanço o sentido exatamente, reitere-se. Que não importa se compreendo, ademais. Não importa, sequer, que seja arrazoado, posto que sempre buscamos sobriedade de vida.

Gosto Dela à distância que se esvai, quando chegamos devagar a nos encontrar, os olhares que se cruzam pela primeira vez outra vez, o sorriso que apenas se insinua, a espera na iminência de seu fim, os últimos metros que se cumprem, os cheiros que se emanam e se enlaçam no círculo fechado de Seu abraço.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Errando

Andando de pés no chão, elevando a terra socada em pequenas nuvens de areia, ia de longe para o longe quase sem destino e pouca orientação. A antiga estrada era sua Ursa, o Sol sua única verdadeira estrela e mudo companheiro. A vida tão vazia quanto a paisagem à sua volta: imutável vegetação rasteira, escassas árvores de parcas folhagens proporcionavam tépidos oásis de sombras.

Com a mente despida de interesses, terrenos ou celestiais, as pernas se alternavam de forma mecânica num frêmito descuidado, lento e implacável. Cascateava na indiferença mórbida o suor por sua tez, vencendo as desérticas sobrancelhas para queimar os olhos taciturnos. Na tortura ao acaso, a maré salina inunda os veios feridos dos lábios estéreis pelo calor. Impassível, inerte, inamovível pela dor cortante, contudo.

Desdenhava do cansaço laconicamente, mal sentindo honestamente o irradiar dos músculos desgastados por todo o corpo. Agulhas penetravam a carne, inexoráveis e repetidamente a cada movimento, repuxando até os ossos, retesando os tendões minimamente flexíveis.

Em frente sem avistar nem mesmo almejar qualquer paragem, teto, desvio, atalho, limite ou ambição. Ranhuras nos pés sangravam levemente, gotículas rubicundas umedecendo de forma efêmera a trilha árida, demarcando imperceptivelmente a linha vital do andarilho.

Seu companheiro dourado já o ultrapassara e, ainda que com menos vigor, o encarava severamente deixando emergir às costas impassíveis suas habituais substitutas, ainda esmaecidas pelo poder fúlgido do astro-rei.

Mesmo quando destronado o fogo eterno, permaneceu a marcha, agora fustigada pelo frio lacerante, a brisa suavemente açoitando as chagas perpetradas pelo abraço perene do amigo deposto.

No zênite, a nova dominadora da abóbada pouco se dignava a guiar seu inominado súdito e se apresentava minguante como a vida inefável que em passos lassos abandonava o hospedeiro. Aproximava-sede um fim essa história inaudita, alcançando o destino que jamais procurou, que, entrementes, era-lhe impossível apartar.

Abastado de frio, maior era o sofrimento, pois, quase completamente privado da visão pelos negros domínios, os outros sentidos se aguçam, não obstante incapazes de arrancar-lhe qualquer expressão de seu rosto intransigente à alegria ou à tristeza, ao amor ou ao ódio, à dor ou a alívio. Relaxamento e tensão não se alternavam, mas indescritivelmente conviviam. Nada e tudo facilmente se extraíam daquele feitio, como uma tábula rasa na qual se poderia inscrever o que fosse.

Sucedido o escuro inverno, acariciaram-lhe os ombros os longos braços ígneos. O toque insensivelmente agradável parecia inclinar pendularmente o erradio homem.

Solenemente, o estoico andante encerrava sua jornada aparentemente desprovida de razão ajoelhando-se na terra e observando pela primeira vez sua longa sombra estendendo-se por uma dezena de metros à sua frente. Muitos e indetermináveis minutos se passaram sem alteração de espírito, caso houvesse algum, indiferente, uma vez mais, à pressão sobre os joelhos desbastados, minimizada, porém, pelo macilento corpo a que sustinha. As cãimbras e dormências imanentes eram, a ele, tão somente anelantes.

Embora estático, permanecia em êxtase apegado à aproximação de sua sombra a si mesmo. No derradeiro minuto, mirando o chão tão próximo de si que poderia tê-lo tocado, um pavoroso arremedo de sorriso despertou no canto de seu lábio seco, mais se assemelhando a um esgar incipiente. A boca, há muito inútil, se moveu em uma única palavra: “Olá!”.

Caiu deitando-se sobre seu convidado e a estrada e se deixou partir.

(sábado, 3 de abril de 2010, Volta Redonda)

Quatro Palavras

Quatro Palavras
(Sexta-feira, 2 de abril de 2010, Volta Redonda)

Um Homem caminha só.
Caminha um homem só.
Só caminha um homem.
Caminha, só, um homem.
Um só homem caminha.
Homem-um caminha só.
Só, um homem caminha.
Um homem só caminha.
Só um homem caminha.
Caminha só um homem.
Só um caminha, homem.
Caminha um só homem.
Um só homem.
Só um homem.
Um homem só.
Um homem.
Só.